quarta-feira, 19 de novembro de 2008

CRU

Na minha estada em Caxias fui assistir ao espetáculo teatral CRU, e este texto que posto aqui foi me apresentado por essa peça. Procurei muito por ele e finalmente o achei...Essa peça foi uma experiência impactante, durante todo o espetáculo, os atores iam firmando um diálogo violento com meu íntimo e eu ia ficando cada vez mais exposta à mim mesma e, provocaram algo mais do que o racional pode explicar. De uma forma intimista, vi paixões, desejos de um corpo pelo outro, perdas e morte e ao mesmo tempo, percebia que essas situações aconteciam o tempo todo, com todo mundo.

Como disse Tchelo Müller em sua crítica: "Cru. Primitivo. Sentimento em estado bruto, difícil de domesticar por meio de nossas mentes super-desenvolvidas. Amor, daquele que dói, machuca, arde e, mesmo assim, nos parece necessário."



Deixo aqui, então, uma parte do CRU...







CANIBALISMO AMOROSO
Por Rafael Machado

Ela cortou o namorado em pedaços e ensopou, enquanto a cabeça e os pés foram ao forno. É real, pode procurar no jornal. Todo mundo se assusta e acha a coisa um tanto maníaca, mas devo confessar que gostei da idéia. Canibalismo amoroso, é como classifiquei o fato, e se as pessoas se assustam é porque não percebem que esse é um acontecimento coditiano.

Amamos para sermos amados, estabelecendo uma relação de troca com nossos parceiros. "Eu te amo", dizemos, mas se em seguida não ouvirmos um "eu também" tratamos logo de quebrar o vínculo e procurar outra pessoa disposta a nos dar aquilo que precisamos. Não sei se isso é bom ou ruim, apenas falo do que acontece.

Não temos o costume de darmos amor. Pelo contrário, o comercializamos, e isso porque precisamos do outro para nos sentirmos amados. A lógica é um tanto simples: como eu não consigo me amar e nem você consegue se amar, então eu te amo e você me ama e tudo acaba bem. Ficamos mais leves, mais sorridentes, mas felizes, e aquela sensação de vazio e solidão que tanto nos encomoda desaparece.

Mas acontece que amor não é moeda, não é favor, não é tapa-buraco. Não pode ser trocado, medido ou cronometrado. Não obedece as leis do comércio, não rende juros. Amar é coisa boa, simples, de fácil acesso. Surge espontaneamente com o ato de ser quem se é, de ser inteiro, feliz, completo. Nada de procurar metade de laranja, de ler horóscopo para achar a alma gêmea que se esconde Deus sabe onde. O amor surge e se multiplica quando a gente se encontra com a gente mesmo no tempo presente. E se eu tenho de sobra eu posso te dar sem precisar mais receber em troca. Migalhas de paixão é aquilo que trocamos, e amor gratuito é aquilo que nos preenche.
E é nesta necessidade do outro para nos sentirmos preenchidos que nós o ensopamos e comemos, e esta é apenas a forma mais material da coisa: devorar o outro para matarmos nossa fome de afeto e de carinho.

Eis um belo jantar a luz de velas. Numa cadeira, nós, os devoradores. Como prato principal as sobras de um relacionamento que não nos sacia mais. E a outra cadeira permanece vazia, disposta a receber outra pessoa vazia que nos procure para se preencher. Aí as leis da selva falam mais alto: é matar ou morrer!
...

3 comentários:

Anônimo disse...

Puta meu, muito bom o texto. No final das contas é o que todo mundo precisa né? "E é nesta necessidade do outro para nos sentirmos preenchidos que nós o ensopamos e comemos, e esta é apenas a forma mais material da coisa: devorar o outro para matarmos nossa fome de afeto e de carinho." Por trás de um ato atroz, o que há, é falta de amor.

Laina disse...

Á séculos o amor da o que falar...e o que escrever...
ao assistir essa peça em companhia de um grande amor, foi uma experiência um tanto quanto mais, chocante...
o amor é cru e sexual tbm, sem o blabla de que so se faz sexo com a mor, mas o ato por sua natureza instintiva se assemelha ao amor, essa união de semelhanças deixam a peça picante. por vezes até da uma alfinitada na esfera moral da consciência( mas so de quem ainda a posssui hehehe)e logo o amor comtemporâneo dá o que ver...
enfim.. vamos entender de uma vez por todas(vamos é puro eu..hihi)que a maioria da historias de amor que crescemos ouvindo, lendo e vendo... não passam de canibalismo.. e algo me diz que por traz de um inconsciente coletivo que não sabe amar verdadeiramente, as ilusões iludem mais... e aqueles caras que ninguém sabe bem quem são, continuam estimulando a competição onde um come e outro é comido, com a justificativa de que precisamos acabar com a fome..
tah...isso ja ta deixando ser um simples comentario...hehe

Juliana Lacerda disse...

Cada um vive seu canibalismo amoroso devorando cada pedaço da pessoa que julga amar mas, que amor é esse? É possessão.
O amor tem um único começo, o amor por nós mesmos; somos incapazes de nos amar e fazemos um comércio, uma troca de amor para sobrevivência das partes. Amor é comércio, palavras são ilusões, gestos são fachada, sexo é dinheiro... juntando todos os nossos atos não chegam perto aos desta