segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A Praga

(Quadro de Tamara de Lempicka, retratando Adão e Eva)



Li esse texto do Rubem Alves numa das minhas noites insones pela web, achei mto bom e gostaria de compartilhar aqui...Já li algumas crônicas dele, e é simplesmente demais!!!!
Dispensa qualquer outro comentário.

Divirta-se...


A Praga



É bom atentar para o que o papa diz. Porta-voz de Deus na Terra, ele só pensa pensamentos divinos. Nós, homens tolos, gastamos o tempo pensando sobre coisa sem importância tais como o efeito estufa e a possibilidade do fim do mundo. O papa vai direto ao que é essencial: “O segundo casamento é uma praga!”Está certo. O casamento não pertence á ordem abençoada do paraíso. No paraíso não havia casamento. Na Bíblia não havia indicação de que as relações amorosas entre Adão e Eva tenham sido precedidas pelo cerimonial a que hoje se dá o nome de casamento: o Criador, celebrante, Adão e Eva nus, de pé, diante de uma assembléia de animais, tudo terminando com palavras sacramentais: “E eu, Jeová, vos declaro marido e mulher. Aquilo que eu juntei os homens não podem separar...”Os casamentos, o primeiro, o segundo, o terceiro, pertencem á ordem maldita, caída, praguejada, pós-paraíso. Nessa ordem não se pode confiar no amor. Por isso se inventou o casamento, esse contrato de prestações de serviços entre marido e mulher, testemunhando por padrinhos, cuja função é, no caso de algum dos cônjuges não cumprir o contrato, obrigá-lo a cumpri-lo.Foi um padre que me ensinou isso. Ele celebrava o casamento. E foi isso que ele disse aos noivos: “O que vos une não é amor. O que vos une é o contrato”. Aprendi então que o casamento não é uma celebração do amor. É o estabelecimento de direitos e deveres. Até as relações sexuais são obrigações a ser cumpridas.Agora imaginem um homem e uma mulher que muito se amam: são ternos, amigos, fazem amor, geram filhos. Mas, segundo a igreja, estão em estado de pecado: falta ao relacionamento o selo eclesiástico legitimador. Ele, divorciado da antiga esposa, não pode se casar de novo porque a igreja proíbe a praga do segundo casamento. Aí os dois, já no fim da vida, são obrigados a se separar para participar da eucaristia: cada um para um lado, adeus aos gestos de ternura... Agora está tudo nos conformes. Porque Deus não enxerga o amor. Ele só vê o selo eclesial.O papa está certo. O segundo casamento é uma praga. Eu, como já disse, acho que todos são uma praga, por não se da ordem paradisíaca, mas da maldição. O símbolo dessa maldição está na palavra “conjugal”: do latim, “com”= junto e “jugus”= canga. Canga, aquela peça pesada de madeira que une dois bois. Eles não querem estar juntos. Mas a canga os obriga, sob pena do ferrão...Por que o segundo casamento é uma praga? Porque, para havê-lo, é preciso que primeiro seja anulado pelo divórcio. Mas, se a igreja admitir a anulação do primeiro casamento, terá de admitir também que o sacramento que o realizou não é aquilo que se afirma ser: um ato realizado pelo próprio Deus. Permitir o divórcio equivale a dizer: o sacramento é uma balela. Donde, a igreja é uma balela... o divórcio ela seria rebaixada do seu lugar infalível e passaria a ser apenas uma instituição falível entre outras. A igreja não admite o divórcio não é por amor á família. É para manter-se divina...A igreja, sábia, tratou de livrar seus funcionários da maldição do amor. Proibiu-os de se casarem. Livres da maldição do casamento, os sacerdotes têm suprema felicidade de noites de solidão, sem conversas, sem abraços e nem beijos. Estão livres da praga...
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3 comentários:

Juliana Lacerda disse...

Retrata bem a hipocrisia do povo a respeito das celebrações de direitos e deveres porém não se recordam nunca do amor.

Lála Lalá disse...

Ju,
Sorte nossa, q não podemos fazer parte dessas cerimonias, sem direitos, sem contratos, só o amor!!!!! 2amo

Unknown disse...

Padrões comportamentais para a massa de manobra... A Igreja sempre se posta acima do bem e do mal. Essa história não se sustentará por muito mais tempo assim espero